
Como a China preferiu mudar o esporte – e a quadra – para disputar (e vencer) o jogo da indústria automotiva.
Trocar o saibro pela quadra vizinha
Imagine estar frente a frente com Rafael Nadal. Se a disputa for tênis, o placar já nasce 6-0, 6-0 contra você. Agora proponha um jogo novo, “Foot-Pong”, em outra quadra, com marcações inéditas e direito a chutar a bola. A vantagem centenária do espanhol evapora, todo mundo começa do zero.
Foi exatamente esse salto estratégico que as montadoras chinesas deram. Em vez de brigar no terreno dos motores a combustão – dominado por patentes europeias, americanas e japonesas – trocaram de quadra, fizeram do carro elétrico o novo esporte global.
Os buracos da quadra: terras-raras e baterias
Nesse piso diferente, a China tem o gramado perfeito: controla cerca de 85 % da capacidade mundial de refino de terras-raras, metais sem os quais não há ímãs para motores elétricos.
E a bola? Virou elétron. A Blade Battery da BYD, de química LFP, já domina os elétricos chineses e estreia segunda geração em 2025 com recarga prometida em menos de 12 minutos e custo 15 % menor.
Treino em casa, plateia de milhões
Enquanto o Ocidente discutia se “EV pega ou não pega”, o mercado interno chinês virou um laboratório lotado de torcedores: 40,9 % dos carros vendidos por lá em 2024 já são “novas energias” (elétricos puros + híbridos plug-in).
Com a torcida aquecida, o país exportou 5,86 milhões de veículos no mesmo ano – quase 1,3 milhão totalmente elétricos. Quem joga tanto em casa tende a chegar ao campeonato mundial sem medo de torcida adversária.
Quando o produto fala mais alto que o comercial
Um hatch chinês de entrada hoje roda cerca de 400 km por carga, recebe atualizações OTA como smartphone e já oferece piloto semiautônomo de fábrica. Nesse cenário, a campanha publicitária só precisa narrar o que o consumidor comprova no test-drive . Só é exagero, é claro que a propaganda estratégica e bem excutada é imprescindível.
O tropeço europeu no preço
Basta olhar o MG 4: lançado no Velho Continente a partir de € 28 mil, com cinco estrelas Euro-NCAP e desempenho digno de hot-hatch, ele fez muito francês e alemão coçar a cabeça antes de assinar outro leasing a diesel.
O apito do árbitro e o drible CKD
A União Europeia reagiu com tarifas de até 45,3 % sobre elétricos “made in China”. Só que o dragão já tinha outro truque: montar carros em kits semi-desmontados (CKD) na Hungria, na Turquia, no México, na Bahia… e seguir marcando gol enquanto a regra é reescrita.
Marketing na veia – e em escala continental
O que fascina não é apenas uma ou duas marcas brilharem, mas um país inteiro alinhar política industrial, cadeia de suprimentos, design de produto e storytelling numa mesma direção. A China combinou insight de mercado (“vamos mudar de esporte”) com execução impecável (“vamos construir a nova quadra para todo mundo jogar”).
Isso é Marketing purinho: identificar uma oportunidade, criar uma proposta de valor distinta, remover fricções e contar a história certa – da mineração ao showroom. Só que, desta vez, o “departamento de marketing” não foi uma agência nem uma montadora isolada. Foi a própria China, atuando como orquestra sinfônica.
Se a sua empresa ainda insiste em desafiar Nadal no saibro, talvez seja hora de buscar uma quadra diferente. Afinal, jogo novo, regras novas… placar novo.
Ah! E não se espante se o Nadal aparecer por aí acelerando um elétrico made in china.
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